É abusiva a cobrança de honorário advocatício no percentual máximo permitido (50%) pelo Código de Ética e Disciplina da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para cliente de baixa renda e instrução, mesmo que seja uma causa milionária. Com esse entendimento, os ministros da 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), por maioria de votos, decidiram reduzir de 50% para 30% os honorários contratuais fixados em uma ação que buscava o pagamento de pensão por morte.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, que apresentou o voto vencedor, o caso tem três particularidades relevantes: a baixa instrução da autora, sua condição de necessidade econômica no momento da contratação e o alto valor do crédito obtido, de aproximadamente R$ 1 milhão. “Uma pessoa que tem apenas instrução primária não teria condições de compreender o exagero da contraprestação que se obrigara”, afirmou no voto.

O código prevê que os honorários devem ser fixados com moderação, atendida a relevância, vulto e dificuldades da causa, tempo e trabalho necessários e a condição econômica do cliente, entre outros fatores. Embora a ação tenha durado mais de dez anos, a ministra entendeu que causa não tinha grau tão elevado de complexidade, tramitou no domicílio dos advogados e o valor bastante elevado permitia a aplicação de um percentual mais baixo de honorários que poderia remunerá-los adequadamente.

Para Nancy Andrighi, há poucos elementos que justifiquem a fixação dos honorários no percentual máximo permitido pelo código de ética da advocacia. “De fato, honorários em montante de mais de R$ 500 mil, equivalentes a 50% do benefício econômico total do processo, para propositura de uma única ação judicial, cobrados de uma pessoa em situação de penúria financeira, não pode ser considera uma medida razoável”, afirmou no voto. “Há claro exagero na fixação dos honorários e, portanto, também o requisito objetivo da lesão se encontra presente”.

Ainda segundo a ministra, o Código de Ética da advocacia não se enquadra no conceito de lei federal, de modo que sua violação não poderia ser apreciada pelo STJ. Contudo, ela considerou que ele pode ser utilizado como um guia “para iluminar a interpretação de outras regras jurídicas, civis ou processuais”, sendo invocado como norma de apoio. A decisão, portanto, foi baseada nos artigos 157, 187, 421 e 422 do Código Civil de 2002, que tratam de lesão, abuso de direito, função social do contrato e boa-fé objetiva.

Acompanharam o voto divergente da ministra Nancy Andrighi os ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Ficaram vencidos o relator, ministro Massamy Uyeda, e o desembargador convocado Vasco Della Giustina, que negaram provimento ao recurso.

O caso

O contrato foi feito na modalidade quota litis, no qual o advogado só recebe se vencer a causa. A cliente recebeu do INSS R$ 962 mil líquidos. Os dois advogados que atuaram no processo receberam R$ 102 mil a título de honorários de sucumbência e receberam da autora R$ 395 mil, correspondente a pouco mais de 41% do valor líquido pago à autora. Eles ajuizaram ação para receber mais R$ 101 mil que consideravam devidos.

Em sua defesa, a autora argumentou que os advogados teriam se aproveitado da sua situação econômica vexatória, da falta de conhecimentos legais de uma pessoa que tem apenas o curso primário e a fragilidade em que se encontrava devido aos problemas que enfrentava com a dependência química de seu único filho. Sustentou ainda que se tivesse que pagar a diferença cobrada, os advogados iriam receber 62% de todo o benefício econômico gerado pela ação judicial. Dessa forma, no recurso, ela pediu para que os honorários fossem reduzidos para 20% -—o que não foi aceito pela Turma, que fixou a porcentagem em 30% — e que fosse restituída da diferença paga.

CDC x Código Civil

Em decisão anterior, embora o TJ-DFT (Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) tenha aplicado o CDC (Código de Defesa do Consumidor) para definir o caso, sem qualquer contestação quanto a isso, a ministra Nancy Andrighi frisou que a norma não é aplicável. Conforme pacificação na jurisprudência do STJ, o CDC não regula os contratos de prestação de serviços advocatícios e, por isso, a causa foi julgada com base nos dispositivos do Código Civil.

(Ultima Instância)