A 1ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho) manteve decisão que reconheceu o direito ao recebimento de horas de sobreaviso a um chefe de almoxarifado que ficava à disposição da empresa por meio de telefone celular. Embora a Súmula 428 do Tribunal estabeleça que o uso do celular, “por si só”, não caracteriza o regime de sobreaviso, a Turma concluiu que o empregado permanecia à disposição da empresa, que o acionava a qualquer momento, limitando sua liberdade de locomoção.

O empregado afirmou, em reclamação trabalhista, que era obrigado a portar e atender ao telefone celular durante horário comercial, todos os dias da semana, inclusive sábados, domingos e feriados.

Na condição de chefe do almoxarifado, alegou que era responsável “por toda e qualquer colocação ou retirada de material do estoque” e, por isso, nada poderia ser movimentado sem sua autorização expressa. Por isso, “era chamado durante a noite, fim de semana, feriados, intervalos de almoço e lanche para atender a demanda”. Seu pedido estimava a média de cinco horas extras diárias de sobreaviso, incluindo os fins de semana.

A empresa Usiminas, defendeu-se afirmando que a alegação do chefe do almoxarifado fere o princípio da razoabilidade, porque, entre “centenas de empregados”, admitir que apenas um retirava e colocava produtos no almoxarifado seria “uma afronta à lógica”. Afirmou ainda que o regime de sobreaviso, para o empregador, “apenas existe quando o empregado está impedido de se locomover de sua residência”, o que não seria o caso.

O juiz da 5ª Vara do Trabalho de Porto Alegre deferiu o sobreaviso, levando em conta que o preposto da empresa admitiu que o chefe de almoxarifado ficava com o celular ligado e era frequentemente acionado de madrugada. Informou também que esses chamados eram registrados num livro de ocorrências, que não foi apresentado pela empresa. A sentença concluiu, assim, que o trabalhador não tinha plena liberdade nessas horas, que deveriam ser pagas à razão de 1/3 da hora normal.

A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, que apenas limitou o período aos horários e dias de efetivo funcionamento da empresa. A Zamprogna recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho.

Recurso no TST

O recurso de revista foi discutido na 1ª Turma do TST. O relator, ministro Lelio Bentes Corrêa, chamou atenção para dois detalhes: a admissão da empresa de que o chefe do almoxarifado ficava com o celular ligado todas as noites sendo acionado várias vezes na semana; e a ausência do livro de registros. “Além de ficar de prontidão, ele tinha de comparecer com frequência à empresa, e não podia se afastar de casa a ponto de inviabilizar o comparecimento”, observou. “É mais do que a escala de plantão, porque nem havia revezamento: era sempre ele.”

O ministro Walmir Oliveira da Costa seguiu a mesma linha de raciocínio. “A hipótese é o contrário do previsto na Súmula 428”, afirmou. “O celular, aqui, era um instrumento de trabalho, e o empregado era chamado mesmo. A casa era uma espécie de braço da empresa.” O ministro Hugo Scheuermann assinalou que o fato de o trabalhador usar o celular não implica, necessariamente, estar à disposição da empresa. Mas no caso analisado, a disponibilidade era incontroversa.

Por unanimidade, a Turma afastou a alegação de violação da Súmula 428 e não conheceu do recurso nesse ponto.

O advogado trabalhista Maurício Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, destaca que a “Súmula 428/TST não afasta o direito ao adicional de sobreaviso por completo, mas apenas afirma que o simples fato do empregado portar aparelho de intercomunicação não caracteriza o regime de sobreaviso. Logo, a presença de um outro elemento fático que limite a locomoção do empregado que esteja de posse de aparelho de intercomunicação, ensejará o adicional de sobreaviso”.

“No caso presente a última instância que analisa a prova produzida, no caso o TRT, confirmou o uso intermitente do aparelho, e a imprescindibilidade do seu uso pelo empregado, a ensejar a limitação de sua locomoção, bem como a existência de um livro de registro de ocorrências de chamadas que não foi apresentado pela empresa. O TST não pode reexaminar os fatos e provas produzidos nos autos, contudo, tem o dever de proceder ao correto enquadramento jurídico da matéria fática produzida. E foi exatamente o que ocorreu, pois diante do quadro fático produzido pelo TRT, pode-se concluir que o empregado sofrias restrições de locomoção por portar o aparelho de comunicação, razão pela qual a Turma do TST aplicou o verbete sumular ao caso concreto”, explica Veiga.

Sobreaviso

O regime de sobreaviso está previsto no artigo 244, parágrafo 2º, da CLT para os trabalhadores ferroviários, mas foi estendido pela jurisprudência e pela doutrina às demais categorias. Ele se caracteriza quando há cerceamento da liberdade do trabalhador de utilizar seu tempo de folga por determinação do empregador. Essas horas são remuneradas com valor de 1/3 da hora normal. No caso de o trabalhador ser efetivamente acionado, a remuneração é de hora extra.

Com a introdução de novas tecnologias, o empregado não é mais obrigado a permanecer em casa à espera de um chamado por telefone fixo. O contato passou a ser feito também por bips, pagers e celulares. Em 1995, o TST aprovou a Orientação Jurisprudencial 49 da SDI-1 (Subseção Especializada em Dissídios Individuais) firmando que apenas o uso do bip não seria suficiente para caracterizar o regime de sobreaviso, “porque o empregado não permanece em sua residência aguardando, a qualquer momento, a convocação para o serviço”. Em maio do ano passado, a OJ 49  (Orientação Jurisprudencial) foi convertida na Súmula 428, que trata do uso de “aparelhos de intercomunicação” e inclui o celular.

(ultima instância)