De um desabrochar na dança, um nascer de mãe. Se maternidade é gestação e o balé um guia diante dos desafios na vida, Mônica Luiza não pode se orgulhar apenas de Daniel, Giselle e Davi, mas de tantos outros que por 30 anos afluíram suas sensibilidades sob a tutoria da mãe-mestra. Centenas de meninas, poucas dezenas de meninos – para frustração de Mônica, incentivadora de um balé intergêneros –, aprenderam com a professora que, para ser feliz, se carece mais de estrutura afetiva que do que vem nos livros.

Uma mãe que virou avó – tanto ao ver nascer os netos Mateus e Levi, quanto ao ver voltarem suas ex-alunas, agora com mini-bailarinas a tiracolo. Porque foi no balé que Mônica Luiza aprendeu a disciplinar-se e impor limites aos filhos seus e de outros. Foi lá também que ela aprendeu a dimensionar o amor. Afinal, entre amores românticos e fraternos, houve aquele que definiu um destino na vida. Aquele que não fraquejou. Que apontou um ofício e que segue incólume. As Páginas Azuis de hoje trazem entrevista com a professora, coreógrafa e bailarina Mônica Luiza, uma mãe para os últimos 30 anos de geração de bailarinos e uma eterna apaixonada pela arte que se fez seu ganha pão.

O POVO — Mônica, por que balé? Como começou essa sua relação com o balé?

Mônica Luiza — Olha, balé foi uma decisão inicialmente da minha mãe e do meu pai. Eles eram dois artistas: ele foi locutor da Rádio Dragão do Mar e a minha mãe era escritora de novela para a rádio. Eles que queriam que a filha deles fizesse algum tipo de arte. Nessa mesma época, quando eu tinha mais ou menos uns sete anos de idade, o Hugo Bianchi veio morar no Ceará, em Fortaleza. Minha mãe o conheceu e disse: “Eu quero que minha filha faça balé com você”. Foi exatamente no Theatro José de Alencar, quando ele fundou a sua escola, que funcionava ali no foyer. Eu dei um pouquinho de trabalho. Eu era muito tímida e muito mimada. Durante dez anos, eu fui filha única e eu quase não entrei na sala (de aula
de balé). A minha mãe precisou me ameaçar, dizer: “Se você não entrar na sala, na próxima aula você não vem mais para o balé”. Então eu acho – eu não me lembro muito bem –, que gostava do balé, eu assistia às aulas, mas eu não tinha coragem. Tinha timidez. E aí foi quando eu decidi entrar e fiz o balé para nunca mais sair… desde os sete anos. Já são trinta anos de escola. Estou com cinquenta e dois. Faz as contas. Quarenta e cinco anos de balé.

 
O POVO — Você já imaginou como teria sido se essa ameaça (da mãe) tivesse se tornado real, se você não tivesse entrado na sala e nunca mais tivesse voltado?

Mônica Luiza — Eu não sei, eu acho que eu seria uma grande admiradora do balé. Talvez eu, propriamente sozinha, não teria procurado fazer balé. Talvez mais tarde, mas também já seria tarde demais, né? O balé tem o seu momento certo. É por isso que eu digo sempre às minhas alunas, comentando, eu falo que a bailarina se faz não só do talento, não só da disciplina, mas do apoio também dos pais, da visão das pessoas. E que não deixem de resistir, porque a criança é um pouco indecisa nas coisas ainda. Não sabe bem o que quer. E quando existe essa decisão, tem que partir muito dos pais. Não basta só a criança querer, mas sim a assiduidade dos pais, a perseverança deles com a criança para levar e buscar no momento certo. Eu acho que isso é muito importante.
 

O POVO — Você estava dizendo que aos sete anos era muito tímida, muito difícil… E a professora de balé é muito disciplinadora, não é? Como foi esse processo de transformação para quem tinha tanta dificuldade e era tão mimada, mas precisou ser disciplinada para entrar na sala?
Mônica Luiza — Você aprende. Você aprende! O balé obriga você a ser disciplinado. Quando você não é, não aguenta. Você sai. Entrega os pontos. Então, como eu amava muito a dança, aquela disciplina, para mim, começou a fazer parte da minha vida. Às vezes eu tenho que me segurar hoje, porque na criação dos meus filhos eu fui muito professora de balé. E eu tinha que dizer: “Opa! Agora eu sou mãe, não sou professora.” Já fica fazendo parte de mim. E aí a responsabilidade também com as pessoas, as crianças, de ser importante na vida delas… Como eu li há pouco, no Dia da Dança, um aluno que me agradeceu por eu ter sido professora dele… Quero dizer, isso é muito importante, né? Há outra criança, ainda, que colocou na Internet: “Uma pessoa que mudou minha vida: Mônica Luiza”. Em algum momento, a gente, como educadora, acaba modificando alguma coisa na sua vida, e você acaba se lembrando. O balé faz isso. Ele te dá muitas oportunidades de superação que você na própria vida tem que ter. Você realmente arruma a cabeça. Eu percebi isso na minha vida e percebo isso na vida dos meus alunos.

 
O POVO — E a sua família tem alguma relação com o balé?

Mônica Luiza — É outro passo difícil porque eu tive dois filhos homens, e eles, realmente, não pensavam em ser bailarinos. E tive uma filha (Giselle) bailarina. Mas foi ela quem decidiu. Eu tinha muito medo dessa aproximação muito grande do balé com a vida dela e de ela ser forçada a ser bailarina por isso. Eu queria que fosse uma coisa do coração, que ela amasse, que ela quisesse realmente para ser feliz. Eu acho que você só pode entrar em alguma coisa, seja o que for, para ser feliz. Eu acho que a felicidade é o primeiro ponto. A Giselle decidiu ser bailarina e hoje é o meu braço direito na escola. Somos sócias. Hoje nós dirigimos duas escolas. Meu segundo marido, o atual, é completamente envolvido no balé por minha causa. E somos nós três quem dividimos essas duas empresas – porque não deixa de ser uma empresa.

O POVO — Você tinha dito que em alguns momentos da criação dos seus filhos, você tinha que cortar o lado “professora de balé” porque era mãe. O contrário também acontece?

Mônica Luiza — Os meus alunos já me chamaram muitas vezes de mãe. “Ai, desculpa, tia Mônica!” (falam as crianças). Aí eu digo assim: “De qualquer forma, em algum momento, eu faço parte da sua vida como mãe.” Porque eu sou mãe. Sou avó agora, né? E acaba que a gente mistura um pouco. Porque a gente tem um carinho muito especial por eles, pelas crianças, pelos alunos. Mesmo aqueles que estão começando, e mais ainda aqueles que já fazem balé desde pequenininhos com você, já estão com dezesseis, dezoito, vinte anos, vinte e um anos… Então você tem um prazer enorme por essa consideração. Eu fico muito feliz. Não me importo de me chamarem de mãe. Acho bom.
 

O POVO — E numa relação com a criança, como entra o professor-mestre?
Mônica Luiza — O mestre entra com tudo, sabia? Olha, a gente é mais educador do que qualquer coisa nesse mundo. Você sabe que pessoas são difíceis. Crianças são difíceis. Tem crianças que são talentosas, mas não têm aquela força de vontade necessária para o balé, sabe? Afinal, exercício físico dói. Muitas vezes, (elas) não têm talento, não têm físico, mas têm tanta vontade, tanta perseverança, tanta disciplina, que se tornam (bailarinas). O bailarino não é só feito de talento. Ele tem que ter esse outro lado, e esse outro lado é praticamente 50%. Eu vejo, às vezes, alunas talentosíssimas com um físico que nasceu para o balé, mas não têm a força de vontade, não têm o apoio devido dos pais no momento certo. Então aquele talento se perde. Balé é uma superação diária. Tem que se ter essa consciência de que o exercício mais simples, que é o plié, vai te ajudar no impulso de um salto, de uma pirueta… Então tudo isso tem que ser pensado. Isso é pensado na sala de aula para a execução no palco poder ser a mais perfeita possível.

 

O POVO — Nesses trinta anos, você viu (o balé) como um canal de acolhimento para as crianças? Como isso foi construído para você aqui?
Mônica Luiza — A maioria das alunas, claro, têm poder aquisitivo bom e com condições de pagar a escola, porque, afinal de contas, é disso que eu vivo também. E realmente o balé é uma coisa muito cara. Mas nesses trinta anos eu sempre tive, no mínimo, umas dez que eu chamo “bolsa sem alça”, porque sou eu quem pago. Mas eu sempre tive bolsistas nas escolas. Eu jamais iria descartar um talento. Jamais! Mesmo assim, ainda há umas crianças cujos pais chegam e dizem: “Olha, a gente queria muito que ela estudasse com você, mas a gente não tem condição de pagar.” Eu vendo sinceridade naquilo, não conto nem de um até três. Essa criança vai fazer balé. Eu tenho muitas crianças nessa escola com essas condições. Porque eu acho que também faz parte da minha vida deixar alguma coisa para pessoas que não podem.

 
O POVO — Você tinha me falado do seu desenvolvimento, do que você tinha conseguido como bailarina. Você também é uma mestra. Você tem os seus orgulhos? Você sempre se lembra da formação de onde chegaram os seus alunos?

Mônica Luiza — Tenho. Alguns bailarinos chegaram bastante longe. Eu tenho bailarinos em Londres (Inglaterra), tenho bailarinos em São Paulo (SP). Tenho bailarinos dançando nos Estados Unidos. Algumas alunas bem mais atuais, que já formam outras escolas e companhias… Isso é um prazer muito grande. Mais do que isso: as minhas antigas alunas fazendo as suas filhas irem para a escola. Porque elas sentiram, realmente, que foi importante para a vida delas e querem as filhas também vivendo esse momento dentro da escola em que elas viveram. Eu acho isso importantíssimo.
 

O POVO — Você é a avó delas.
Mônica Luiza — (risos) A mãe e a avó. Exatamente! De verdade, são dois netos: o Mateus e o Levi. Um tem quatro e o outro tem dois. Dois homens de Deus.

 
O POVO — Os professores das suas escolas são seus ex-alunos?

Mônica Luiza — São todos ex-alunos. Porque é importante que essa continuidade seja dada. Você tem uma escola no seu estilo. É uma linguagem que, quando eu falo, eles
entendem.

 
O POVO — O bailarino costuma trabalhar muito com imagem, não é? Existe um ar de vaidade?

Mônica Luiza — Todo bailarino é vaidoso. Muito vaidoso. Trabalha com o físico, né? E a mente. O balé é estética. Você não estando bem, o público reclama. Fala. Você tem uma obrigação muito grande em cuidar de você pra que na hora em que você vai para o palco, você esteja bem fisicamente, bonito, com a aparência boa… Isso é o mínimo. Fora que a interpretação que você tem que dar, em cada balé, diferentemente.

 
O POVO — E o que você acha de mais importante, de melhor no balé, que fica?

Mônica Luiza — Eu acho que a formação num todo. A formação de amor à arte, disciplina, perseverança, coragem, superação. Isso tudo faz parte. Essa formação de enfrentar um problema até de vida. Você enfrenta com mais serenidade. O balé coloca você muito centrada nas coisas. É a pessoa que eu sou hoje: tranquila, disciplinada. Às vezes a gente explode, é claro. Eu não sou de ferro, mas o balé também controla um pouco isso.
 

O POVO — Como você lida com essas coisas tão diferentes, força e delicadeza?
Mônica Luiza — O balé faz isso também, não é? Alguns passos, para você mostrar para o público, você tem que mostrar da leveza e da força, junto. Você faz, digamos, um salto e você tem que passar para o público que ele parece bastante leve, mas você fez uma força imensa para saltar e uma força imensa para aterrissar. E o público não pode sentir isso. Eu acho que é importante deixar assim, uma mensagem que é muito bom ser bailarina, que isso dá a oportunidade às crianças de conviver com a arte. E deixar livre, a criança decidir o que quer. “Ai, eu quero ser bailarina.” (imitando a criança) “Ah, mas você não vai ganhar dinheiro com isso!” (respondendo a si). E aproveitando que agora a gente tem a faculdade de Dança no Ceará… E eu acho que é uma profissão, também. Eu acho que os pais devem encaminhar, deixar. Eu tive duas alunas que saíram agora da escola porque tiraram nota baixa. O balé não tem nada a ver com isso. Tá errado. É por isso que a gente vê esses filhos de hoje em dia na depressão. Corta-se o lazer, o esporte, achando que aquilo está atrapalhando o estudo. Às vezes eu sinto muito, porque os colégios estão cada vez mais… O vestibular é uma prova cada vez mais pesada… E se você não der conta, você não vai ser um grande profissional. Mentira. Não existe isso. Você pode ser um grande profissional e não ter nunca entrado no quadro de honra ou ter tirado as notas altas no colégio.

 

O POVO — O que faz uma bailarina?
Mônica Luiza — Eu acho que é sensibilidade, em primeiro lugar. E talento. Esses vêm em primeiro lugar. O restante vem depois: a força, coragem, disciplina… A gente vai somando. Aí depois desse somatório todinho, se o bailarino aguentar, aí vai ser um bailarino. Se não, aí ele desiste. O balé é para poucos.

(André Bloc – O Povo Online)