André Torreta, via Exame Online

Acabamos de fazer uma série de entrevistas sobre a mulher nordestina, a vaidade e o seu cabelo. Realizamos esta pesquisa em Salvador, Recife e Fortaleza. Primeiro ponto que vale ressaltar é a diversidade que existe no Nordeste. O Nordeste não é um; são vários, como os dedos de uma mão. Quem olha para o nordeste do sul maravilha não sabe como a história, as raças, as influências, e o crescimento da economia produziu um nordeste tão diferente e multifacetado, diferente de todo o resto do país.

Vamos começar por Salvador. Os cabelos dessa cidade são produtos, é claro, da sua história. Salvador é “a cidade mais negra do Brasil”. Sua comida típica vem em sua maioria da África, a sua religião, o seu gingado, expressões do vocabulário. E é claro, os seus cabelos. E antes, muito mais do que agora, existia um preconceito contra este tipo de cabelo. Antes o preconceito fazia dizer que cabelo de negro era “ruim”, pixaim. E que a solução para isso era pura e simplesmente passar a chapinha, alisar o cabelo. Quem sabe uma maneira de se tornar mais “branco”. Mas nos últimos anos vieram os movimentos sociais negros na capital da Bahia. E com eles a volta merecida do orgulho negro, da cultura negra, do cabelo negro. Ressurgiram com alvitez centenas de cabelos rasta, tranças, cores. Com o crescimento econômico este movimento aumentou ainda mais. E as empresas compreenderam isso. Criaram mais e mais produtos para os cabelos afros. Shampoos, condicionadores, megahair, perfumes, hidratantes etc, etc. E aí os cabelos afros foram para as novelas, e voltaram para o dia a dia soteropolitano com mais força ainda. Se você vai hoje no bairro da Liberdade, um bairro simbólico para a raça negra de Salvador, a profusão de salões de beleza para os cabelos afros explodiu.

Em Recife a explosão foi outra. Cidade fundada pelos portugueses, invadidas por holandeses e franceses, com menos negros que Salvador, Recife é diferente. O alisamento, as chapinhas, o agora chamado “botox” para os cabelos invadiram as praias. Aliás, esse é um outro ponto: quem faz alisamento sabe o estrago que a maresia, que a humidade faz ao cabelo. E a mulheres de lá dizem que o cloro na água tratada é muito forte, complicando ainda mais.

Pois é, a mulher do litoral precisa se cuidar muito mais, ir muito mais vezes ao cabelereiro do que as mulheres que vivem em cidades como São Paulo e Belo Horizonte. Para complicar, em época de São João que tem festa todos os dias, é salão de beleza todos os dias para as mulheres mais jovens e festeiras.

Quando chegamos em Fortaleza, os cabelos ficam mais lisos. Loiros, lisinhos, brilhosos. E, com o crescimento econômico, uma mudança foi vista também no banheiro destas mulheres: o número de produtos para cabelos em suas cestas de compras que chegam neste ponto da casa. Dizem que dez, vinte anos atrás, só compravam um ou dois tipos de shampoo, e estes eram para a família inteira. Hoje compram shampoos diferentes para cada pessoa da família.

Sempre me perguntam: “mas nada une, nada liga estas mulheres nordestinas?”. Sim, o apreço pelos cabelos das atrizes brasileiras que são destaque na novela. Mesmo com cabelos tão diferentes, com hábitos tão diferentes, todas querem ter cabelo de atriz de novela.