Haroldo Ceravolo, Revista Samuel
Não é simples para um homem, e um homem não especialista no assunto — ou seja, não médico —, falar sobre o caso Angelina Jolie. Afinal de contas, faz sentido retirar uma parte do corpo para evitar um câncer que não necessariamente se desenvolverá? Os riscos, segundo artigo assinado por ela, caem, de 87% para 5%, mas não zeram. Ela ainda pode desenvolver a doença.Mas o que pode significar isso? Entre os comentários que circularam, um dos mais interessantes que li é o da historiadora Patrícia Valim, que reproduzo abaixo:
A mastectomia de Angelina Jolie
Por Patrícia Valim
O assunto mais comentado de hoje entre as feministas e a turma pró-feminismo: a mastectomia radical que a Angelina Jolie fez para diminuir os riscos de câncer de mama, que foi a causa da morte de sua mãe. Essa mulher linda sob vários aspectos tomou uma atitude radical em razão de ter 87% de risco de desenvolver um câncer de mama como sua mãe. Eu jamais faria isso porque risco é risco; não costumo evitá-los e parece que nem eles me perseguem.
Quando engravidei de Bentinho, meu ginecologista indicou-me um exame para detectar se o nenê tinha alguma síndrome ou deficiência, pois minha gravidez requereu cuidados em razão da idade e dos riscos, que eram grandes. Quem acompanhou a minha gestação de perto sabe que recusei taxativamente fazer o exame altamente invasivo para o nenê, inclusive, porque quis ter meu filho e eu o teria em quaisquer circunstâncias, com síndrome ou sem síndrome. Meu ginecologista me deu um sorriso enorme e não tocou mais nesse assunto.
Pouco tempo antes de Bentinho nascer, ele me sugeriu a laqueadura em razão da cesárea (obrigatório, no meu caso), da idade, da minha decisão de não querer mais ter filho e dos riscos de alguma patologia no futuro. Novamente recusei terminantemente, pois como risco é risco apostei na possibilidade linda de envelhecer naturalmente sem comprometer a minha identidade feminina que, no meu caso, está intimamente relacionada à minha capacidade reprodutiva.
No ano passado, meu ginecologista contou-me que várias mulheres na minha idade andam retirando os ovários e o útero como forma de prevenção de cânceres no aparelho reprodutivo e nas mamas. Perguntou-me o que achava e respondi: bom, eu fumo há muito tempo e não vejo sentido nenhum em retirar os pulmões para prevenir o aparecimento de um câncer. Mais sensato seria parar de fumar e mudar para o topo de uma montanha, talvez o único lugar do mundo onde se pode respirar ar puro hoje em dia. Meu avô, que faleceu em novembro passado, teve câncer de pele, por exemplo, e a lógica — ou a falta dela — é a mesma.
Tudo isso pra escrever que sou absolutamente contra intervenções cirúrgicas desnecessárias e também sou radicalmente contra as implicações dessa cultura do risco, que no caso das patologias desconsidera uma série de variáveis que levam uma pessoa a ter um câncer. Eu leciono na universidade à noite, volto para casa de transporte público e caminho a pé dois quarteirões até chegar em casa.
Há riscos no trajeto, claro, sempre haverá: posso ser assaltada, sequestrada, estuprada, atropelada por uma bicicleta ao descer do ônibus, ou mesmo escorregar e ter uma fratura. Isso nunca me aconteceu, mas dia desses encontrei um amigo das antigas que fez questão de me acompanhar até em casa enquanto tivemos um papo pra lá de engraçado e nostálgico. No meu sistema perfeito de mundo, certos riscos fazem muito sentido, e acho bastante discutível não viver ou mutilar-se para evitá-los.
Belo texto! Parabéns a Historiadora Patrícia Valim pela sensível reflexão! Penso que é de suma importância prevenir-se de doenças através de hábitos que possibilite boa qualidade de vida e boa saúde, dentre tantos exemplos: praticar atividades físicas, manter uma alimentação saudável, evitar e/ou não fazer uso do fumo, álcool, alimentos calóricos… Enfim, há uma gama significativa de orientações e ações voltadas à prevenção de doenças. Conscientizar e estimular a população para hábitos mais saudáveis são ações educativas e preventivas orientadas não só pelos profissionais da saúde, mas também de várias outras áreas. Um bom exemplo são os professores! (falo daqueles realmente comprometidos com as causas da Educação). Entretanto, não somente o professor de ciências, mas o professor de História, de Geografia, de Artes, de Educação Física, os Pedagogos, e demais professores. Saúde e Educação estão intrinsecamente ligadas! Na Educação, a temática Saúde percorre os Currículos; entra como Temas Transversais; é contemplada nos Projetos Políticos Pedagógicos (PPP), e assim por diante.
Em particular, a História, importante área do conhecimento que contribui em muitos aspectos para várias outras, inclusive, para a Medicina (vide link abaixo, História da Medicina: evolução e importância). No texto, o Dr. Sebastião Silva Gusmão, médico, membro da Sociedade Brasileira de História da Medicina, faz um tratado da História da Medicina e enfatiza a importância da Historia para a Medicina. Segundo ele,
A História da Medicina, sendo uma disciplina histórica, usa os métodos gerais da pesquisa histórica comum a outras disciplinas históricas, mas é uma história especial, tendo também seus métodos próprios e seus problemas. Ela estuda a saúde e a doença através dos tempos, as condições para a saúde e a doença e a história das atividades humanas que têm por objetivo promover a saúde, prevenir as doenças e curar o doente.
Dessa forma, podemos entender que a Medicina baseia-se também na História (História Cultural, Social, Econômica, entre outros recortes), para auxiliar nas pesquisas, logo naquilo que os Historiadores pesquisam e escrevem.
Porém, infelizmente vivemos numa sociedade que está adoecendo mais e mais a cada dia que passa. Vários fatores da vida moderna têm historicamente contribuído para o aparecimento de doenças na população, a exemplo, nossa alimentação que é composta por agrotóxicos, organoclorados, pesticidas, conservantes, transgênicos, hormônios, antibióticos (carne, leite), entre outros venenos cancerígenos que paulatinamente são acumulados em nosso organismo, produzindo os mais variados “tipos de câncer”. Ora, isso quer dizer que todos temos chances de desenvolver a doença, uma vez que os alimentos que ingerimos contêm em suas fórmulas componentes nocivos à saúde!!! Então fica difícil falar em chances e/ou probabilidades de desenvolver câncer, de mama, pulmão, pele, estômago, etc. Se assim for, futuramente haverá mutilações de outros órgãos ou partes do corpo em prol da “prevenção”, tendo em vista que nossos hábitos vêm se transformado em atitudes cada vez mais danosas à saúde, especialmente no que diz respeito à alimentação “nossa de cada dia” carregada de aromatizantes, acidulantes, corantes, antioxidantes, estabilizantes, entre outros estimulantes das células cancerígenas em várias partes do corpo. Já, os efeitos cumulativos de conservantes em nosso organismo afeta o DNA, desenvolvendo mutações celulares, o que também pode levar ao câncer, em particular, no estômago, rins, fígado e intestino. Para tanto, há uma vasta literatura rigorosa sobre o assunto, nas diversas áreas do conhecimento, na Medicina, Agronomia, nas Engenharias de Alimentos, Sanitária, Química, Biologia, Geografia, entre outras. Abaixo segue parte de uma importante pesquisa escrita por três estudiosos sobre os riscos de câncer e sua prevalência no Brasil, em especial o de mama.
Câncer de mama
Na atualidade, o câncer de mama é considerado como o segundo tipo de câncer mais comum no mundo, sendo o mais frequente entre as mulheres. Ao contrário do câncer de colo de útero, esta doença encontra-se relacionada ao processo de industrialização, com risco de adoecimento associado a elevado status socioeconômico, além de outros fatores de risco clássicos descritos, tais como baixa paridade, idade precoce da menarca e tardia da menopausa, obesidade, altura e consumo de álcool. Recentemente, este tipo de câncer vem se transformando em um importante problema de saúde pública na América Latina, tendo sido observado, nesta região, um aumento consistente nas taxas de mortalidade por câncer de mama nos últimos quarenta anos. Estudo conduzido no estado de São Paulo identificou o câncer de mama como a principal causa de mortalidade por neoplasias em mulheres na faixa etária de 30 a 49 anos, no período de 1991 a 1995. De acordo com estudo caso-controle conduzido em hospital universitário de Belo Horizonte, o perfil de risco para o câncer de mama relativo a fatores socioeconômicos e reprodutivos apresentou-se similar em mulheres com diagnóstico efetuado na pré e na pós menopausa. A partir de estudo ecológico realizado com
dados de exposição a pesticidas em onze estados do Brasil, foram identificadas correlações importantes entre esta exposição e distúrbios no sistema reprodutivo humano, incluindo a mortalidade por câncer de mama, principalmente em mulheres com idade entre 50 a 69 anos no período de 1995 a 1997. No entanto, estudo caso-controle realizado por Mendonça et al. (1999) na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, incluindo 177 casos e 350 controles, não verificou associação entre nível sérico de organoclorados e aumento de risco para o câncer de mama. Com relação ao rastreamento das neoplasias malignas de mama, observou-se que mulheres idosas e mulheres com baixo grau de escolaridade apresentaram menores oportunidades de diagnóstico precoce no município de Botucatu, São Paulo. As mais elevadas taxas de incidência anuais de câncer de mama no Brasil, ajustadas por idade e por 100 mil mulheres, foram encontradas em São Paulo (94,0), Distrito Federal (86,1) e Porto Alegre (66,5).
O estudo acima aponta que o câncer de mama, além de mundialmente ser o segundo tipo de câncer mais comum, com prevalência maior entre as mulheres, está associado com o processo de industrialização!!! Isso quer dizer que os fatores que levam ao desenvolvimento de câncer de mamas estão ligados aos hábitos socioculturais e também ao fator econômico das mulheres; com a forma de vida; com a alimentação, entre outros. Isso não anula os riscos de câncer em mulheres que têm em seu histórico familiar casos da doença. Porém, estudos mais recentes apontam que historicamente, os processos de desenvolvimento (industrial, econômico, social) das sociedades modernas, têm afetado diretamente nossa saúde ao ponto de desencadear alterações nas células do nosso DNA, logo, contribuindo para o aparecimento da doença. Dessa forma, agora temos muitos outros fatores além do histórico familiar que possibilitam o desenvolvimento do câncer de mamas. Então, isso quer dizer que mulheres com caso(s) da doença na família podem desenvolver outro tipo de câncer e não necessariamente o de mama, porém, podem ainda, desenvolver o câncer de mama, não (ou somente) pelo histórico familiar, mas, por esses outros fatores dos quais todos estão vulneráveis, expostos e propensos cada vez mais a desenvolver a doença. Visto isso, as pesquisas realizadas de forma interdisciplinar têm cooperado valorosamente para somar e/ou reformular e até desmistificar conhecimentos que há muito já poderiam estar intervindo na prevenção do câncer de mama. Mas, por que isso não acontece? Sem grandes detalhes, a não informação e/ou a desinformação gera muito lucro numa “sociedade democrática capitalista”, assim, não seria “sensato” precaver as pessoas para que evitem ou não consumam alimentos e produtos estimuladores das células cancerígenas. Nesse caso, parece ser muito mais “vantajoso” e “lucrativo” para certos “profissionais” orientar as mulheres para realizarem a “mastectomia preventiva”, ao invés de orientá-las a prevenir-se da doença através de mudanças de hábitos. Além disso, estudos apontam que mulheres mastectomizadas e/ou que sofreram “mutilações” de outros órgãos femininos ligados à reprodução são mais suscetíveis à depressão, doença cujo crescimento nas sociedades modernas é alarmante, tornando-se cada vez mais um grande problema de saúde pública.
Já, o caso da respeitável atriz Angelina Jolie, que optou pela “mastectomia preventiva”, particularmente espero que seu ato não sirva de forma alguma como exemplo para outras mulheres também o fazerem, mas, sim para fazer efervescer reflexões e discussões sobre o “outro lado da moeda”, ou seja, que há muitos outros fatores que possibilita o desenvolvimento de câncer de todos os tipos, em especial, o de mamas.
Para finalizar, mais uma vez felicito a Historiadora Patrícia pelo seu escrito, dividindo conosco sua delicada experiência, que é sem dúvida parte importante de sua história! Abraços, Andréa Carvalho.
Fontes:
História da Medicina: evolução e importância
http://www.sbhm.org.br/index.asp?p=noticias&codigo=93
Risco de câncer no Brasil: tendências e estudos epidemiológicos mais recentes
Clique para acessar o 81_392.pdf
Qualidade de vida em mulheres mastectomizadas: as marcas de uma nova identidade impressa no corpo
pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1677-74092009000200004…