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Barba grande e branca assim como os cabelos. A voz é forte e marcante, daquelas que se reconhece ainda que o tempo e distância sejam obstáculos. Carrega consigo um smartphone valioso. Não pelo preço, mas pelas fotografias em que registrou suas viagens e suas descobertas, com o prazer de desfrutar da vida.

Apaixonado por arte, a história de vida foi marcada por canções, filmes e sabores. A música é tratada de forma profissional, mas a vontade de que as pessoas se emocionem ao escutá-la ultrapassa qualquer problema de trabalho. “A partir da minha voz eu posso fazer as pessoas chorarem de emoção e rirem de prazer. E eu sei que uma boca pode ferir e até matar. Me sinto abençoado de que minha boca seja aberta só para dar prazer às pessoas”, resumiu sua vocação.

Apelidado carinhosamente de Maestro Poty, o músico identificado como Potiguar Fernandes Fontenele é conhecido em todo o Ceará, além do mundo. “Meu nome completo ninguém usa”, ri dele mesmo. Professor de Música nas Universidades Federal e Estadual do Ceará (UFC/UECE), o maestro conquistou o solo cearense, brasileiro e o internacional. Sua vida são feitos de vários ‘jás’.

Já foi secretário de Cultura de Guaramiranga, já ensaiou corais e bandas para vários eventos, inclusive um grupo de crianças que canta na época do Natal na Praça do Ferreira todos os anos. Já viajou, divulgando seu trabalho, por variados países como Alemanha, França, Itália e por aí vai. Já recebeu da Academia Cearense de Literatura e Jornalismo a honraria de acadêmico honorário. Mas ainda não está satisfeito. A vida urge e o já ainda é pouco.

Depois de inúmeras viagens a trabalho, adquiriu dois prazeres: o de viajar e, consequentemente, desbravar culturas, de preferência no meio do povo. “Quando viajo vou para o mercado do local, lá é que tem a cultura, as pessoas, a movimentação”. Apaixonado por degustar sabores, o músico apresenta em seu celular as fotos de temperos peculiares em cidades por onde passou. “Pela comida e pela música você consegue compreender o comportamento de uma sociedade”.

Dentre os pratos mais excêntricos que provou, ele considera o mais diferente um peixe da Finlândia. “Eu comi Arenque com as vísceras com fel, que fica aquele gosto amargo, por conta da necessidade que eles têm do iodo, pela falta de sol durante três ou quatro meses”.

Por conta dessa nova paixão de experimentação, a música agora está acompanhada da gastronomia, mas tudo tratado como arte. O que nem todo mundo sabe é que o Maestro Poty é um grande cozinheiro. Inventa pratos, descobre temperos. Experimenta de tudo! O dom de cozinhar vem da mãe, está no sangue, mas foi instigado em suas viagens e aperfeiçoado pela vida.
Foto: ACLJ
Infância
A mãe, nascida no Rio Grande do Norte, mudou-se para o Amazonas e depois para o Ceará. A partir de suas andanças, resolveu homenagear sua terra: dá ao filho a alcunha de quem nasce no estado de origem, o potiguar. Mas ele não é o único filho que recebeu o nome em homenagem ao lugar. “Minha irmã, que nem cheguei a conhecer, porque ela nasceu e morreu, se chamava Amazonina”, contou. Poty ainda tem três irmãos vivos, atualmente.

O apelido veio na infância, quando morava em Viçosa do Ceará, local onde nasceu, em 1961, e viveu até os 9 anos. “Nesse tempo eu já desenvolvia como criança [a música]”. A mãe tinha o melhor hotel da cidade na época, com a comida mais conhecida da região por ser gostosa. Em suas lembranças, há o flashback do governador do Piauí, em suas viagens pelo estado do Ceará, ter que pousar no hotel só para almoçar.

Viçosa é um de seus xodós. “Viçosa era um entreposto. A serra de Ibiapaba inteira passava por Viçosa para poder ir para o porto. Na época tinha dois ou três cinemas. Imagina! Tinha quatros jornais concorrentes. Duas bandas de música. Cidade pequena, mas com uma riqueza [cultural]”, relembrou.

Aos 5 anos, Poty não brincava somente com a bola, mas com recortes de filmes ou de se apresentar em teatros imaginários. A arte parecia já gritar em seu ser. Influenciado pela convivência com artistas, aos 12 anos, Poty arranha notas no violão, bebendo cachaça com os amigos. “Naquele tempo era comum beber cachaça ainda novo, hoje não”, se livra da culpa.

Saber-se músico

Foto: Blog Maestro Poty/Arquivo Pessoal
Foto: Blog Maestro Poty/Arquivo Pessoal

Foi aos 15 anos que a vida de músico, formalmente e profissionalmente, começa. Estudando o curso de Tecnologia em Estradas, o jovem se engaja no coral da Escola Técnica do Ceará. E a partir daí, o menino Poty se joga no novo mundo e se transforma em professor de instrumentos. Para ele, ser músico antigamente era bem mais difícil, principalmente por falta de estrutura.

“Fico imaginando quantos músicos nasceram e morreram sem saber-se grande músico. Se eu na Escola Técnica não tivesse encontrado um coral, talvez morresse sendo um topógrafo ou um engenheiro”, reflete.

Em 1982, Poty viajou com o coral pela primeira vez para a Europa. Se apresentou em festivais culturais na França, Espanha e Suiça. Somente em 1996, o músico viaja como maestro para o sul da Alemanha. E foi aí que sua fama se espalhou, conquistando mais amizades em vários cantos do mundo.
Foto: Blog Maestro Poty/Arquivo Pessoal
A música e o público

Poty deixa claro que trata de música de modo profissional. Leva a sério ensaios e não considera uma “terapia”, como várias pessoas pensam. “Não é só o prazer, dá muito trabalho. Tem que ensaiar muito, muito e muito. Tem que ter muito esforço e constante aprendizado (…) Eu fiquei um cara neurótico para fazer bem feito”.

Como professor, nas primeiras aulas Poty assusta os alunos falando a verdade: “música é matemática pura e aplicada”. A formação como músico no Brasil é muito complicada, segundo ele. Além disso, em nosso país não há graduação para maestro. “Olha, quem consegue ser grande no Brasil é porque é muito grande”.

Mas o calo que aperta seu sapato é a forma como a música é tratada em terras alencarinas, como ainda gosta de chamar. “A gente é ‘mundiça’. Nós não temos culturalmente ativos 5 mil pessoas em Fortaleza. Se acostume a ir para eventos eruditos vendo as mesmas mil pessoas que se interessam. Quando eu falo culturalmente ativas é aquele que bebe [da arte], que se interessa de verdade”, lamenta.

“Em São Paulo, toda semana o público tem uma ópera boa e uma ruim. Em Frankfurt tem toda semana uma boa. E aqui no Ceará?”, indaga sem esperanças. Já lutou para a valorização de estilos musicais diferenciados. Já falou com políticos e gestores. Mas ainda não alcançou o objetivo de divulgar óperas, músicas clássicas ou orquestras. “Se eu for fazer uma apresentação dessas de graça, dá umas 30 pessoas”.

O sonho antigo era de ver a música inserida nas escolas como disciplina obrigatória, assim como Filosofia e Sociologia. Outra alternativa seria uma escola de música pública. Dessa forma, talvez a cultura, conscientização e sensibilidade pudessem ser modificadas, valorizando a arte, ainda na primeira geração.

“Eu não consigo entender como nenhuma dessas autoridades tem essa visão. Eu já tentei, já comentei como algumas pessoas (…) Eu estou desistindo da humanidade. Eu acabo desistindo. Senhor, eles não sabem o que fazem”, desabafa de maneira pessimista, mas em seu coração, bem no fundo, ainda há a vontade de lutar.

(Jangadeiro Online)

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