ma decisão do Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária), tomada no último mês de junho, causou a atenção por causa dos argumentos utilizados pelos conselheiros para rechaçar a reclamação de uma ONG contra um anúncio da rede de lanchonetes McDonald’s.

“Da mesma forma que Suécia e Dinamarca têm por base evitar que suas crianças de olhos azuis fiquem gordinhas, o Brasil tem por base acabar com a desnutrição dos nossos meninos moreninhos”, disse Enio Basílio Rodrigues, autor do relatório sobre o caso que foi acolhido por unanimidade pelo Conar. Para ele, “ao contrário dos Estados Unidos, aqui o McDonald’s não é vício, é aspiração”. Leia aqui a íntegra do parecer. 

A decisão ocorreu na análise de uma denúncia apresentada pelo Instituto Alana, ONG que combate a propaganda abusiva direcionada a crianças, contra um comercial do Mc Donald’s exibido nos cinemas. O anúncio intercalava personagens da animação Rio e atores mirins para divulgar a promoção do McLanche Feliz – que combina hambúrguer, batatas fritas, refrigerante e um brinquedo. O Instituto contesta a associação entre o desenho e o lanche.

Veja a propaganda:

Em seu parecer, Enio Rodrigues se refere ao instituto como “bruxa” e afirma que o Alana não gosta de crianças e quer deixá-las “bem magrinhas”. “Não adiante (sic) vir com a história que os gordos herdarão os bancos centrais, como o presidente do banco central do México, como presidente do banco central do Brasil, o [Alexandre] Trombini. Quando a bruxa Alana chegar, a criançada vai entrar no regime de pão e água, aliás sem pão que engorda – nada de xisburguer (sic), batata frita, milkshake, refrigerante”, ironizou.

Durante o seu voto, o relator dá a entender que o estilo de alimentação norte americano, repleto de fast foods, é responsável pela existência de grandes profissionais no país: “Cada americano, em média, vive ou trabalha a 3 minutos de um restaurante fast food. Sim, come mal o americano, e isso produziu muitos obesos. Entretanto, essa base alimentar também produziu os melhores violinistas, escritores, bailarinos, jogadores de basquete e fuzileiros navais”. O parecer do relator foi acolhido por unanimidade pelas duas comissões que estavam presentes julgando o caso.

“A criança azucrina os pais por causa disso [do lanche e do brinquedo]? Claro que sim! Crianças foram feitas para azucrinar e para isso existe, quando necessário o famoso NÃO!, sem precisar ameaçar chamar a bruxa”, disse, novamente se referindo à ONG.

Parcialidade

A advogada Isabella Henriques afirmou que o Instituto Alana decidiu não encaminhar mais denúncias ao Conar. “Em razão dos termos desrespeitosos e ofensivos, decidimos que não vamos mais reconhecer o Conar como um Conselho de Ética, porque ele não foi capaz de encarar com ética e equidade uma das partes”, disse.

“O parecer pouco se atém aos fundamentos colocados na denúncia e traz ofensas ao instituto, que entendemos ser uma difamação ao Alana”. A advogada afirmou que, apesar de deixar de levar questões ao Conar, a ONG, no momento, não pretende recorrer à Justiça.  Para a advogada, o parecer “traduz um sentimento bastante preconceituoso e desconhecendo absoluto da infância brasileira, não só em relação ao Instituto Alana”.

Propaganda abusiva

A denúncia do Instituto Alana alega que a propaganda é incompatível com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, no que diz respeito à credulidade, vulnerabilidade e ingenuidade das crianças que recebem o comercial.

“A peça promove, além do lanche, oito brinquedos infantis colecionáveis, adquiríveis por meio da compra do combo infantil, mesclando, assim, realidade e ficção: não há clara delimitação entre as falas e movimentos das personagens do filme Rio e os fins comerciais do anúncio”.

Para o instituto, a publicidade configura ofensa ainda ao Código de Consumidor e a Código de Ética do próprio Mc Donald’s, no qual a rede se compromete em evitar propaganda em programas direcionados para crianças em idade pré-escolar.  O anúncio foi veiculado como trailer do próprio filme, tendo na sessão presentes, portanto, crianças de diversas idades.

Em seu voto, Enio Basílio Rodrigues afirmou que Não há porque considerar que haja arranhões ao código de ética na atitude do Mc Donald’s em promover seu Mc Donald’s Feliz (sic) associando a possibilidade da criança consumir o alimento e adquirir o brinquedo. As fantasias ambientais de Mc Donald’s e do desenho animado se harmonizam, fazem parte do mesmo universo”.

Novo julgamento

A própria diretoria do conselho recorreu da decisão, e o caso será analisado na segunda instância do órgão. Segundo o Conar, este é um procedimento comum internamente, pois a diretoria pode interferir em casos que exijam cuidado específico – como situações envolvendo crianças ou bebidas alcoólicas. O Conar não quis se manifestar, pelo fato de estar pendente recurso ordinário sobre o caso. A decisão deve acontecer no começo de agosto.

Isabela Henriques, explica que, normalmente, as questões levadas ao Conar são aquelas em que há a possibilidade de se tirar do ar a peça publicitária, quando esta ainda estava no início da divulgação, como era o caso.

“O Conar não tem poder de polícia, só pode recomendar a sustação ou alteração da peça publicitária. Por que a atuação junto ao Conar vinha dando certo? Porque ele é formado por anunciantes, agências de publicidade e veículos comunicação, então as recomendações normalmente eram acolhidas”, diz Isabela.

Além disso, explica a advogada, em tese o Conselho é mais célere do que encaminhar o caso ao Judiciário. Assim, levar a situação ao MP ou ao Procon seria opção, por exemplo, quando há que se falar em responsabilização ou pagamento de multa. Recorrer ao Conar tem o intuito de sustar a propaganda quando ela ainda está sendo veiculada, evitando, na opinião do Instituto Alana, que maiores danos sejam gerados.

No caso, a divulgação da publicidade estava ainda no início. A liminar não foi analisada pelo relator, que preferiu esperar a decisão do colegiado. No momento da análise da 1ª e da 7ª Câmara do Conselho de Ética, a propaganda já havia saído do ar. Isabela Henriques explica que, por conta disso, o Alana esperava que a denúncia fosse julgada prejudicada.

(Ultima Instância)