Por Mayara Bacelar

A imagem clássica dos sindicatos, relacionada a lutas, greves e mobilizações em prol de melhores salários e condições de trabalho, pode estar com os dias contados. Com estruturas cada vez mais complexas, diversas entidades representativas dos trabalhadores oferecem, hoje, muito mais do que negociações acerca do dissídio. Serviços de todas as espécies compõem o rol de oportunidades oferecidas pelas instituições, com o intuito de contrabalançar a aparelhagem – por vezes falha – disponibilizada pelo poder público em todas as esferas – seja municipal, estadual ou federal – para fidelizar o associado. Somado a isso, o envolvimento em causas sociais ajuda a dar novos ares ao movimento sindical.

O presidente do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários), Juberlei Bacelo, contextualiza a mudança no perfil do sindicato lembrando da atuação observada na década de 1980. Naquele momento, destaca o sindicalista, o movimento era de afirmação do papel básico exercido pelas entidades de classe: ao invés de ofertar serviços, o momento era de reivindicá-los junto aos patrões. “Não era papel do sindicato prestar assistência aos associados, mas lutar para avançar nos direitos”, afirma Bacelo.

E se a herança deixada pela ditadura em plena abertura política restringia o trabalho dos representantes trabalhistas a discussões salariais, a cultura neoliberal pode ser considerada uma das responsáveis pelo redirecionamento de foco das entidades sindicais a partir dos anos 1990. Como em qualquer setor da sociedade, o sindicalismo também precisou se adaptar às mudanças políticas e econômicas do País, até para que pudesse permanecer vivo e atuante.

O economista da Força Sindical do Rio Grande do Sul, Mário Lima, ressalta que hoje a preocupação de quem defende os interesses de uma categoria abrange bem mais do que um reajuste por ano, se estendendo a fatores que possam incidir positivamente na qualidade de vida dos representados. “Entram questões pontuais e de planejamento, demandas de políticas publicas, e é nesse sentido que os sindicatos têm discutido”, alega. Como exemplo, o economista cita a 4ª Conferência Internacional do Bioma Pampa, promovida pela Força Sindical em novembro, que debateu a vegetação gaúcha a fim de promover a reflexão sobre os rumos ambientais do Estado.

Ações como essa (com tentáculos nos mais variados segmentos) permeiam a nova face do sindicalismo, através da preocupação com o associado enquanto indivíduo – e não somente como trabalhador. Apesar de concordar com a nova fase no setor, o presidente do SindBancários faz uma ressalva: o universo sindical ainda está em crise, sendo dependente de uma atuação que abrace novas causas. “Eu acho que o movimento sindical ainda vive uma crise, mas um conjunto de sindicatos tem buscado superar essa visão, compreendendo que necessitam de outros instrumentos para interagir com seus representados”, explica Bacelo.

O professor do Departamento de sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Sandro Ruduit, frisa que essa transformação é fruto de uma mudança de estratégia no se refere à relação entre os sindicatos e o mundo do trabalho. De acordo com ele, houve um deslocamento no eixo da discussão que, nos anos 1980 e em parte dos 1990, era focada nas respostas buscadas pelas classes trabalhadoras, naquela época mais semelhantes entre si.  “Esse tipo de estratégia estava mais voltada, na América Latina e mais especificamente no caso brasileiro, na lutas de classes, na oposição do capital ao trabalho”, pontua Ruduit.

As mudanças na organização do trabalho, da informação e da comunicação, mais evidentes a partir da década de 1990, período que precedeu o crescimento econômico do País observado com o avanço dos anos 2000, formaram um cenário em que certos ajustes se tornaram indispensáveis na forma de atuação das entidades. Enquanto a luta de classes era predominante algumas décadas atrás, o envolvimento e reconhecimento dos sindicatos na sociedade começam a ser valorizados na atualidade. “O sindicato se desloca para estratégias que eu chamaria de estratégias de participação ou de esforço de influência no jogo político”, explica o professor.

Ruduit acrescenta que essa movimentação se dá a partir de fóruns e conselhos participativos, em que os representantes de classe se manifestam na tentativa de influir em políticas públicas, o que, para o especialista, é uma novidade significativa. “Isso envolve uma mudança de perspectivas, de valores e até de ideologia da ação sindical, com a superação da lutas de classe estrita.” O professor lembra que essa luta característica não deixa de existir no contexto das organizações, mas abre espaço para que os sindicatos aproveitem outras possibilidades na defesa dos trabalhadores.

Ao mesmo tempo em que há o esforço para descentralizar a atuação, rompendo as barreiras das categorias com o envolvimento em outras causas da sociedade, os sindicatos inflam suas estruturas internas. O objetivo é oferecer todo o tipo de serviço útil para o associado, desde assistência médica e jurídica até atividades culturais. A explicação para o fato pode estar na influência do mundo empresarial dentro dos sindicatos. Com o acesso ao conhecimento sobre novas formas de gestão, os sindicatos precisaram repensar suas táticas. O acesso à cultura é uma delas.

Desde 2002, o SindBancários trabalha baseado na consciência de que a luta salarial não basta. A partir daí, a Casa dos Bancários, sede da entidade localizada no centro de Porto Alegre, foi revitalizada, em um ciclo de movimentos que resultou na inauguração do Cine Bancários, em 2008. No local, são exibidos filmes, muitos relacionados a causas trabalhistas e movimentos sociais, com pagamento de um ingresso simbólico (R$ 5,00 para o público em geral e R$ 2,50 para estudantes, idosos e bancários sindicalizados). “Há muitos bancários que não gostam da luta, mas ainda assim têm que se sentir representados”, assinala o presidente da entidade, Juberlei Bacelo.

O cinema não é o único ponto de investimentos, somente na área da cultura, o sindicato mantém biblioteca com mais de seis mil títulos. Através de uma série de parcerias, os sindicalizados podem acessar cursos de formação, descontos em mensalidades universitárias. Há, ainda, convênio com o hospital São Lucas da Pucrs, com atendimento psicológico a bancários vítimas de assaltos e apoio a comunidades carentes com a elaboração de oficinas audiovisuais. “Continuamos colocando carro de som, denunciando condições de trabalho, pois o sindicato não pode perder seu papel fundamental como entidade de classe, mas isso não basta para esse novo momento”, diz Bacelo. Como consequência das iniciativas adotadas, o índice de sindicalização subiu de 55% da categoria em 2002 para cerca de 75% hoje.

(Jornal do Comércio)