Com 2.315.116 milhões de habitantes atualmente, segundo os dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) do Censo 2010, Fortaleza é a quinta capital mais populosa do País e está “inchada”. Agora, cresce intensamente em direção ao vento que vem do lado leste. Tanto que, em meio a construções de edifícios, bairros como Sapiranga, Messejana, Água Fria, Edson Queiroz, Lagoa Redonda, Cidade dos Funcionários, Luciano Cavalcante e até cidades como o Eusébio, estão sendo procurados como destinos cobiçados para moradia.

A bancária Priscila Costa, 24 anos, por exemplo, comenta que não teve lá tantas opções para o lado oeste da Capital, quando o assunto se referia a novas residências. Como disse, apesar de a mãe e a sogra morarem no tradicional Bairro de Fátima, não foi possível encontrar apartamentos baratos, como há alguns anos. Além disso, como reconhece, a Cidade cresceu muito para o “outro lado”, tanto que shoppings, serviços, entre outros, têm se concentrado nesses lugares e se tornaram mais frequentados por Priscila.

“Pelo que vimos, foi uma compra que valeu a pena, pois a área está se valorizando e crescendo bastante”, comenta. Comprova isso o fato de – arrisca o corretor de imóveis e administrador, Armando Cavalcante, tesoureiro do Conselho Federal de Corretores de Imóveis – o município do Eusébio tender a se tornar, num prazo de dez anos, a “cidade dormitório de Fortaleza”, já que a Capital, como uma tendência natural, está se deslocando para o leste. “Toda cidade cresce naturalmente em direção ao vento. E a corrente de vento mais forte que temos em Fortaleza vem de lá. É natural porque a ideia é que a poluição vá para o outro lado”, conta.

Porém, nem sempre foi assim. Conforme resgata o arquiteto e urbanista Renato Pequeno, professor da Universidade de Fortaleza (Unifor), doutor em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Planejamento de Infraestrutura, somente em meados da metade do século XX, é que o processo de urbanização passou a se direcionar para o lado leste, para a faixa à beira-mar.

Animação do cotidiano



Até essa época, recorda o professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) José Borzacchiello, pós-doutor em Geografia Humana, o Centro era o bairro de referência da Cidade. Sinal disso é que as principais vias convergiam para o bairro, “garantindo a animação do cotidiano”. Segundo ele, os melhores equipamentos e os serviços essenciais ali se localizavam.

No entanto, sem condições de ajuste, “o centro burguês se esgotou”. Assim, complementa, suas ruas “estreitas e angulosas” não resistiram ao automóvel. Junta-se a isso o fato de que, a partir dos anos de 1950, acontece o “êxodo rural”, com transferência maciça da população do campo para as cidades.

Desde então, pontua Borzacchiello, é que a expressão “inchação das cidades” foi cunhada. De acordo com o professor, Fortaleza inchou, principalmente, a partir de 1960. Nessa época, segundo dados do IBGE, a Capital acumulava somente 507.108 mil moradores. “Inchar é aumentar o volume, uma deformação. A inchação na perspectiva demográfica significa aumento de volume sem crescimento, sem desenvolvimento, sem progresso. Com a inchação urbana, Fortaleza conheceu de perto o caos”, relaciona.

Além de todos as deficiências que surgem a partir do inchaço, o aumento da população, segundo o pós-doutor em Geografia Urbana, ocasionou um processo de apartação social, com migração das atividades e dos serviços mais qualificados para a área leste. Dentre eles, o professor destaca o que chama de “efeito Aldeota”. “Com lotes maiores e ruas mais largas, atraiu e se consolidou como novo centro urbano e metropolitano”.

PROGRESSO


José Borzacchiello
Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pós-doutor em Geografia Humana

INFRAESTRUTURA
Serviços não são suficientes

Diante do que se chama de “inchaço” da população, as demandas pelo serviços públicos também crescem. Assim, caso o planejamento urbano não se adeque às mudanças e ao aumento populacional, diferentes problemas de infraestrutura tendem a acontecer. Isso porque, critica a doutora em Sociologia Marinina Gruska Benevides, como o planejamento urbano existente não acompanha o crescimento exponencial da população, a tendência é de que apareçam deficiências em relação a diferentes áreas da sociedade.

“Como o déficit habitacional é enorme e a infraestrutura é precária, o resultado é uma ocupação desordenada do espaço, a multiplicação de áreas de risco, o caos generalizado por onde quer que se olhe, quer se fale de prestação de serviços, de trânsito etc”, enumera. A partir daí, acrescenta o professora da UFC José Borzacchiello, gera-se o aumento da pobreza, as péssimas condições da qualidade de vida, o desequilíbrio acentuado da composição da paisagem urbana. Afinal, comenta Borzacchiello, Fortaleza já não comportava o fluxo migratório.

Agora, com o inchaço da Cidade, para ele, a situação só se agravou. “Fortaleza é marcada pelo déficit generalizado de infraestrutura na área de saneamento básico, transporte de massa, sistema viário e distribuição de serviços urbanos”. Além de que, pontua o professor da Unifor Renato Pequeno, a ocupação de determinadas áreas, em detrimento de outras, aliada ao desenvolvimento desigual, faz com que determinados trechos sejam beneficiados.

Acirramento

“Todo o inchaço, quando associado às condições de desenvolvimento desigual, faz com que algumas partes sejam beneficiadas com investimentos em saneamento, drenagem, limpeza, iluminação, em detrimento de outras, ocasionando o acirramento das desigualdades, tornando a Cidade cara para alguns, que se segregam, e inviável para outros, que se amontoam em fragmentos”.

PREJUÍZO
“Com a inchação urbana sem desenvolvimento, Fortaleza conheceu de perto o caos”


Sem condições de acolher a grande massa populacional que se dirige à Capital, frisa o pós-doutor em Geografia Humana José Borzacchiello, Fortaleza “viu-se tomada de assentamentos informais em áreas inadequadas à expansão urbana”. Sinal disso é que, lembra o urbanista Renato Pequeno, a instalação de casebres, casas e edifícios terminou por acontecer em áreas verdes e de risco da Cidade. O que contribui, diga-se de passagem, ainda mais para reduzir a já pequena área verde disponível ao Município.

Levantamento

Segundo dados da Prefeitura Municipal, por meio da versão preliminar de “Fortaleza em números” de 2009, a Capital cearense dispunha apenas de 786,03 hectares de praças, áreas livres, verdes e parques. Isso, em 2009, para se ter uma ideia, correspondia a somente 2,35% da base territorial das seis Regionais que, ao todo, somavam 33.526, 20 hectares. Para completar, conforme o levantamento, 42,73%, do total de 335,88 hectares das seis Regionais, encontravam-se na situação de invadidos.

Além de outros motivos, isso aconteceu porque, sem ter para onde ir, a população recorreu a trechos que poderiam servir para lazer e para deficiente preservação ambiental de Fortaleza. A exemplo disso, o professor Borzacchiello cita que as dunas, as áreas alagáveis ao longo dos rios, as lagoas e os manguezais foram ocupados. Para o professor Renato Pequeno, assim, a vida em sociedade é prejudicada. “A Cidade cresce bastante também nas áreas de risco situadas às margens de rios e lagoas, nas encostas de dunas e faixas de praia, deixando cada vez mais reduzido nosso sistema de áreas livres”, critica.

(JANINE MAIA – Diário do Nordeste)

Com crescimento, área verde é ocupada

Publicidade